Cristina Guedes
Não sei ainda hoje, porque prefiro as noites quentes pra solidão ou contemplação ou ambas. Sei apenas que assim é. E quando elas acontecem, procuro o vazio de gente. Derrubo qualquer hipótese de comunicação - imagina, eu que não sei estar calada! - e acabam por me deixar, a mim e ao meu mau feitio como querem, sós.
Ontem, trazias a boca amarga quando me beijaste. Talvez fosse dos meus sonhos mirrados o amargo. Talvez fosse a minha boca que estivesse amarga, ou a vontade de te beijar.
Ainda guardo a ternura que me deste. E te devolvi. Algures oculta entre a passagem dos dias e as refeições nocturnas, algures escondida até de mim e, tão bem escondida que creio tê-la perdido. E tu imploras em silêncio que te passe a mão ao de leve em sítios teus que conheço bem. O rosto, as mãos, o peito...que conhecia, que agora nem deles procuro a lembrança. Estará perdida pra sempre? Doce, como sou doce a quem nada me mendiga, como sou água e mel a quem nada me impõe e nada me ordena. Este meu jeito de ser, ás vezes critico-me, é meio de cabrita, meio de mandona, meio de mim que já perdeu o inicio e fim. Pois. Perco-me das coisas boas e quem sabe, nem sequer regresse. Deixo-me contaminar de liberdade - a que chamas egoísmo e não sei até que ponto não terás razão. Talvez seja egoísta. Talvez tenhas despertado em mim a mulher má que nunca fui pra ninguém. Eu, a quem os amigos consideram doce honestidade. Bruta meiguice. Tremenda tesourada. Língua desatada. Sangria, tempestade, poesia e liberdade.
Pergunta-me só as horas e não me perguntes do relógio, pergunta-me distâncias e não quilómetros ou sorrisos e não porquês. Porque não experimentas?
Quando te disser que me dói a cabeça ou a barriga ou outro órgão qualquer, por exemplo o coração - que ás vezes também dói - não digas que são desculpas pra não fazer o amor que de mim esperas. Que a mulher pra o fazer tem de estar bem. E respeita-me nessa diferença que faço de ti, como o dia da noite. E tu és dia e eu fui sempre noite. E tu chuva e eu pôr-do-sol, e tu certo e eu errado. Errado. É esse o jeito, o de aceitar que a diferença possa existir entre nós. Não somos uma irmandade, o clube dos poetas mortos, Bonny and Clyde. Somos dois animais de raça diferente. Que se atrai e repulsa, que se complementa e segmenta. Os teus amuos aumentam a distância que vou impondo com atitudes. Pergunta ao teu coração o que deseja nesta caminhada. Se o conflito, a guerra e o duelo eterno ou uma guerreira vencida? Pergunta-lhe, quanto antes, porque estou exausta, porque estou a gritar o limite há tantas distâncias - que tentas encurtar com braços e pernas e apêndices...assim, não chegas lá - e depois do cansaço, talvez caia uma nuvem negra carregada de coragem pra te fazer prosseguir viagem, pra muitas distâncias de mim.
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sentidos despertos