Laura de Jesus
Ancestralidade
Sedimentamos afetos
enquanto calcorreamos
os caminhos feitos,
antes dos beijos e das
juras nos abetos.
Estamos envelhecidos
de sonhos e medos,
tudo o que temos pra dar
é o sorriso que o raio de sol
nos pôs enquanto tínhamos
a janela entreaberta, tarde adentro.
E já não há geadas nem tremuras
desenfreadas, nem noites nossas
de loucura e menos ainda
segredos por revelar.
Estamos envelhecidos
de ilusões mas prenhes do que a vida traz.
O pintarilhão que bebericou
o orvalho da noite passada
roubou-me um verdadeiro suspiro.
E cruzamos os nossos olhares
sem ver o outro porque o outro
já está dentro e dentro somos nós.
Já só fabricamos tardes mansas
e amanheceres lentos como
numa valsa que se quer eterna.
Estamos envelhecidos até
nos nós dos dedos que se
põem brancos enquanto conduzes
o que creio ser a valsa de um tempo só.
E o meu vestido já não é rosa e amêndoa
mas um pedaço de algodão ou fazenda
tingido de céu, roçando os teus joelhos de sempre.
Estamos, porventura, envelhecidos
de nós e é aqui, quem sabe agora,
neste minuto passado que começamos
a apreciar os outros.
Tomando o lugar de observadores,
tal como os nossos antepassados.
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sentidos despertos